Após a absolvição de César, Gustavo de Morais entrou em um abismo profundo. A decepção e a amargura corroeram sua fé na justiça dos homens, e a ética que uma vez o guiou começou a desaparecer. A satisfação profissional que a vitória no tribunal deveria ter trazido foi substituída por um sentimento de desespero e descrença, que foi transformando Gustavo em uma pessoa diferente.
Gustavo de Morais nunca foi um ser humano perfeito. Ele, como todo mundo, já tinha cometido vários erros em sua vida. Durante sua juventude, Gustavo cometia alguns atos dos quais nunca teve orgulho.
Certa vez, depois de ter torrado toda sua mesada numa locadora de videogames, Gustavo resolveu esperar seu pai dormir e, tal como um gato gatuno, foi até o escritório de seu pai e pegou cinquenta reais que havia na gaveta.
A culpa por seu ato durou alguns dias. Apesar de cometer tais atos facilmente, ao final do dia a consciência de Gustavo sempre o atormentava. Nesse caso em específico, atormentou tanto que ele acabou falando para o seu pai. Não se livrou do castigo, mas a conversa que teve com seu pai foi uma lição preciosa.
– Meu filho, – seu pai começou, olhando diretamente nos olhos de Gustavo, – este mundo está repleto de tentações e desafios. Todos nós, em algum momento, somos testados e podemos tomar decisões que não são as melhores. Você pegou dinheiro que não era seu, e eu sei que você entende que isso foi errado. Mas a verdadeira medida de um homem não está em nunca cometer erros, mas em como ele reage depois de cometê-los.
E seu pai seguiu aconselhando. – Quando cometemos um erro, temos duas opções: podemos ignorá-lo, fingir que nada aconteceu e continuar no mesmo caminho; ou podemos reconhecer o erro, aprender com ele e fazer tudo ao nosso alcance para não repeti-lo. A primeira opção pode parecer mais fácil no começo, mas é a segunda opção que faz de nós pessoas melhores.
As palavras do pai nunca mais saíram de sua cabeça. Apesar de muitos erros que cometeu durante sua vida, os ensinamentos de seu pai eram sua bússola moral.
No entanto, após o julgamento de César, era como se essa bússola tivesse quebrado. César Andrade, o assassino que ele sabia ser culpado, estava agora livre, graças à sua própria habilidade de manipular os fatos e persuadir o júri.
Gustavo se viu preso em um conflito interno entre a obrigação de defender seu cliente e a consciência de que tinha liberado um monstro na sociedade. Era o loop de consciência em pleno funcionamento.
Este conflito se refletiu em seu comportamento até que chegasse o momento em que Gustavo daria um basta. Ele havia decidido acabar com aquele duelo interno entre o certo e o errado.
O que ele escolheu?
Jogar fora a bússola quebrada.
Gustavo, outrora respeitado por sua integridade, passou a aceitar qualquer caso, independentemente da crueldade do fato ou da culpa ou inocência de seus clientes. Seu único critério passou a ser o pagamento generoso. Não importava mais se seus clientes eram inocentes ou culpados, justos ou corruptos. Ele simplesmente não se importava.
O homem que uma vez representou o símbolo da justiça e da equidade agora estava mergulhado em negócios obscuros e eticamente questionáveis. Aceitou subornos, manipulou evidências e até mesmo participou de negociatas criminosas, tudo em nome de ganhos financeiros.
Gustavo tinha se tornado uma caricatura do que um dia foi. Ele se olhava no espelho e mal reconhecia o homem que via. Ele havia perdido o rumo, e a cada dia que passava, a imagem do advogado respeitado que ele uma vez foi desaparecia ainda mais.
A reputação de Gustavo começou a sofrer. Colegas e amigos o observavam com desconfiança, comentários sussurrados enchiam os corredores do tribunal e os olhares de julgamento se tornavam cada vez mais comuns. Mas Gustavo não se importava. Ele já havia abandonado qualquer pretensão de moralidade.
Este era o estado de Gustavo de Morais após o caso de César Andrade. A justiça que ele uma vez amou e respeitou se tornou uma farsa em seus olhos. Ele estava perdido, cego pela sua própria amargura e decepção.