1 O Julgamento de César
No Fórum Criminal de Santa Maria, a sala do Tribunal do Júri estava repleta de espectadores ansiosos. O ar estava carregado de suspense e medo.
Gustavo de Morais, um advogado criminalista conhecido por sua sagacidade e habilidade de manipular até mesmo o mais sólido dos casos, estava ali para defender César Andrade, acusado de assassinar brutalmente seus pais.
Alguns meses antes, Gustavo tinha aceitado o caso acreditando na inocência de César, considerando os detalhes pouco convincentes apresentados pela acusação.
Quando César lhe procurou, em desespero, para que lhe defendesse, a inocência nas palavras de César parecia latente. Até mesmo Gustavo, com sua ampla experiência, poderia notar se tratar tal acusação de enorme injustiça.
A denúncia era estarrecedora. As vítimas foram torturadas antes da morte, e, por fim, queimadas vivas.
Ao analisar os autos do processo, que até então vinha sendo conduzido por vários advogados, um após o outro, Gustavo notou que várias questões deixaram de ser levantadas no momento oportuno.
Ao seu ver, aquilo tinha colaborado em muito para que César estivesse sendo apontado como um assassino.
Mas conforme o caso avançou, a verdade tornou-se cada vez mais inegável. Gustavo começou sua peregrinação atrás de elementos que revelassem a verdade, a inocência de seu cliente, mas as respostas apontavam para a direção diversa.
Por fim, diante dos elementos que tinha em mãos (que ainda não haviam sido anexados ao processo), a verdade brilhou na mente de Gustavo: César era culpado.
A realidade dessa descoberta foi um golpe devastador para Gustavo, que lutou para conciliar sua ética profissional com suas convicções morais. Tais elementos nunca apareceriam no processo mas, do contrário, jamais sairiam da consciência de Gustavo.
No primeiro dia do Júri, enquanto contemplava o rosto de César, Gustavo pensou em seus próprios pais.
Sua mãe, uma mulher gentil que sempre o incentivou a fazer o que era certo, e seu pai, um advogado respeitado que lhe ensinou a importância da justiça e da equidade, e foi o exemplo de vida que norteou o caminho de Gustavo na advocacia.
Gustavo os amava profundamente e não podia sequer começar a compreender o ato horrendo de César. Seus pais tinham sido sua âncora, seu norte, e essa ligação intensificava ainda mais o dilema moral de Gustavo.
César, com os olhos frios e vazios, se sentava no banco dos réus, lançando um olhar ocasional para Gustavo. Gustavo estava sentindo um embrulho no estômago tão grande, que parecia que o café da manhã iria ser jogado para fora ali mesmo.
Mas houve um momento que Gustavo engoliu a culpa, encarando o abismo entre sua responsabilidade como advogado e sua consciência como ser humano.
Deveria ele continuar a defender César sabendo da verdade? Ou deveria abandonar o caso e deixar seu cliente à mercê da sorte de um novo bom advogado?
Refletindo sobre a decisão, Gustavo ponderou sobre os princípios fundamentais do direito. Lembrou do que sempre lhe colocava a uma distância segura entre seus casos: cada acusado tem o direito a um julgamento justo e a uma defesa adequada, independentemente de sua culpa ou inocência.
Se ele abandonasse César, estaria violando esse princípio e, consequentemente, falhando em seu dever como advogado.
Mas ainda assim parecia difícil separar as coisas, seu lado pessoal estava afetado por tudo aquilo. E sua moralidade? Poderia ele, sabendo da verdade, realmente defender um assassino?
Foram longos dias ouvindo testemunhas, peritos, e o próprio Réu César, cuja atuação foi digna de um Oscar.
No momento dos debates, após longa explanação da acusação, apelando o promotor de justiça para a crueldade com a qual teria César cometido o crime, Gustavo estava atormentado pela sua consciência, mas a decisão que ele tomou naquele momento definiria o resto de sua carreira. Respirando fundo, ele se levantou e caminhou até a frente do tribunal.
– Senhores Jurados, – começou Gustavo, seu tom firme e olhos focados no Conselho de Sentença, – eu estou aqui para defender a inocência do meu cliente, César Andrade. Apesar das circunstâncias deploráveis do crime, é nossa obrigação garantir que ele receba um julgamento justo.
– Imaginem o quanto é terrível assassinar os pais. – Continuou Gustavo. – Agora, imaginem que lhe culpem por isso e, ainda por cima, além de reviver o sentimento da morte horrenda dos pais, ter que ser injustamente culpado pela barbárie.
O tribunal caiu em um silêncio abafado. O dilema moral de Gustavo de Morais se transformou em uma resolução. Ele iria defender César, não porque acreditava em sua inocência, mas porque acreditava na justiça do processo legal.
Talvez sua própria vaidade tenha impedido Gustavo de abandonar o caso, pois a dificuldade do processo poderia acrescentar status à sua vitória na absolvição.
Aquela escolha, tomada naquele tribunal lotado, foi o estopim de uma nova vida e uma ruptura com sua moralidade.
As horas se passaram, e o julgamento de César Andrade avançou com um ritmo inquietante. Gustavo de Morais lutou de maneira ardente e calculista, desafiando as acusações contra César com uma mistura de astúcia e persuasão que só ele possuía. Seus dilemas internos foram resolvidos e seu desempenho no tribunal foi impecável.
Por fim, após uma semana de Júri, com todos os envolvidos exaustos, o veredicto chegou: Inocente!
A palavra soou pelo tribunal como um trovão, e um burburinho de surpresa e choque preencheu o ar. Gustavo sentiu uma onda de alívio e apreensão. Ele tinha ganho.
Ele tinha cumprido o seu dever como advogado e garantido a César um julgamento justo. A notícia da vitória iria se espalhar e ele iria ser lembrado por muito tempo por seu trabalho impecável.
No entanto, a vitória tinha um gosto amargo. Contudo, Gustavo estava apreciando aquele amargor como um bom chimarrão.
César, o homem que ele sabia ser culpado, estava livre. Livre para retomar sua vida, enquanto as vítimas jaziam sem justiça.
Gustavo observou César deixar o tribunal, uma expressão de alívio e satisfação em seu rosto. Naquele momento, Gustavo sentiu uma onda de náusea. Seria sua consciência voltando tão rápido? Ele tinha feito o seu trabalho, mas a que custo?
Enquanto o sucesso profissional de Gustavo era celebrado por seus colegas e pela imprensa, a vitória pessoal parecia uma derrota.
Ele tinha liberado um psicopata, e a ideia o atormentava. Em sua mente, ele via os rostos de seus próprios pais, o amor e a bondade que eles representavam, e a contradição do que ele acabara de fazer era como um abismo que se abria sob seus pés
Gustavo de Morais, o grande advogado criminalista, estava em crise. Sua consciência ia e retornava em um loop infinito. A ética profissional que havia defendido tão veementemente estava agora em conflito com a moralidade que outrora lhe foi tão cara.
Ele estava perdido em um mar de dúvidas e questionamentos, lutando para encontrar um equilíbrio entre o que ele acreditava ser certo e o que era necessário para exercer seu ofício.
Nem imaginava Gustavo que essa batalha interna era apenas o prelúdio de um julgamento muito maior. Uma avaliação de sua vida e suas escolhas. A vida após a morte lhe reservava um tribunal que faria uma sessão de Júri de Santa Maria parecer uma mera brincadeira de crianças. O verdadeiro julgamento de Gustavo de Morais ainda estava por vir.
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